O Banco Central divulgou, recentemente, que irá colocar em circulação uma nota de valor nominal de R$200,00 (duzentos reais).
Além do interessante debate que surgiu na internet sobre a pertinência do representante da nossa fauna na imagem da nota (o lobo-guará, em que pese a preferência nacional pelo vira-lata caramelo), uma polêmica muito específica surgiu: a nota facilitaria a lavagem de dinheiro.
A ideia é que seria possível transportar mais dinheiro em menos “espaço”. Afinal, um caminhão forte cheio de notas de cem vale apenas a metade do que valerá o mesmo caminhão, agora cheio de notas de duzentos.
Mas nem tudo é tão simples e a política monetária nacional não pode ser refém de um risco criminal que não necessariamente é significativo.
O BACEN apresentou como uma das justificativas um crescente entesouramento (acúmulo maior de papel moeda por parte da população) como efeito da pandemia. Sobre ese fato, é importante lembrar que, apesar dos incríveis esforços de iniciativas de fintechs nos últimos anos (e, cada vez mais, das grandes instituições financeiras também) o Brasil ainda é um país muito desbancarizado, em que milhões de pessoas ainda utilizam o papel moeda como principal meio de pagamento.
Em contrapartida, muitos se manifestaram no sentido de que a movimentação de maior valor agregado ao papel moeda seria um facilitador da lavagem.
É de fato possível identificar um risco maior de lavagem em uma modalidade específica: a de movimentação (literal) de recurso obtido imediatamente de infração penal (tema que interessa a pessoas obrigadas como transportadoras de valores e empresas de guarda de valores).
O que ocorre, porém, é que esse dinheiro precisa ser, em um primeiro momento, sacado e, em um segundo, depositado.E é aqui que o risco maior existe – e não nas notas em si. Se o controle dos saques e depósitos em espécie observarem valores totais não muito altos (levando em consideração também a frequência, o local, o histórico de saques e depósitos, a renda e todos os outros fatores de risco), pouco importa se a pessoa está sacando ou depositando notas de 50, 100 ou 200.
Um caso recente reforça meu argumento: o caso do aumento de lavagem de dinheiro por meio de depósitos não identificados em um grande banco australiano (história muito bem contada pelo Financial Times, aqui).
O que gerou o surto de lavagem naquele caso foi um conjunto de fatores que facilitou a realização de depósitos não identificados em espécie em um montante alto (cerca de 20 mil dólares australianos). O volume de dinheiro depositado saltou de alguns poucos milhões, para alguns bilhões de dólares australianos rapidamente e se tornou uma rede de lavagem da máfia de Hong Kong.
Por isso os controles de PLDFT devem estar, sobretudo, nos saques e nos depósitos – além de existir um acompanhamento (como de fato já existe, por lei) dos serviços de transportes de valores.
Dados das grandes operações da Polícia Federal revelam que, apesar do histórico de apreensões de dinheiro vivo, as grandes transferências que lavam o dinheiro proveniente de diversas infrações penais ainda corre dentro de vias formais (constituições de sociedades no exterior, câmbio, operações societárias, além de objetos de alto valor e difícil mensuração como obras de arte, joias, etc.).
Temos uma relação quase afetiva com esses casos midiáticos de criminosos que trafegam dinheiro em maletas, peças íntimas, entre outros. Os criminosos que preferiam por métodos mais arcaicos de estocar notas de cem agora poderão estocar notas de duzentos, mas não necessariamente vão conseguir mais acesso à economia formal por conta disso.
A vida dessas pessoas – corruptores, muitas das vezes – pode ficar mais fácil na etapa de movimentação e armazenamento do recurso do pagamento do crime (o pagamento da propina, o pagamento do desvio do contrato, etc.), mas a integridade do sistema financeiro como um todo deve levar em consideração os valores globais sacados e depositados, independentemente do volume de cédulas.
A prioridade, portanto, deve ser o atendimento às demandas monetárias da população como um todo e a responsabilidade dos profissionais de PLD, neste momento, parece ser a de levar em consideração o risco (residual, a meu ver) de notas mais altas circulando entre pessoas obrigadas.
Parabéns, Pedro! Ótimo post!
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