2020 foi o ano da abordagem baseada em riscos, das novas normas no mercado financeiro, de capitais e de seguros, dos desvios causados pela pandemia e pelas medidas para remediar a crise que ela causou. Mas, sem dúvidas, em matéria de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, 2020 foi o ano dos cartórios.
Com menos de 12 meses de comunicações ao COAF, o setor de cartórios realizou mais de 1 milhão de comunicações, marca que nunca havia sido ultrapassada por nenhum outro setor regulado além do bancário. Somadas as comunicações do setor bancário e do setor cartorário, temos mais de 5 milhões e 900 mil comunicações, correspondendo a 95% do total das comunicações realizadas em 2020.
Podemos tirar algumas conclusões desses números para 2021:
- Se as comunicações dos cartórios repercutirem em Relatórios de Inteligência Financeira e em comunicados ao MPF, podemos ter uma nova leva de investigações de lavagem de dinheiro, especialmente relacionadas ao setor imobiliário (originadas nos cartórios de registro de imóveis) e do uso de estruturas societárias não-empresariais (SCPs, holdings puras, etc.) para a lavagem de ativos;
- Os setores regulados do mercado de capitais e de seguros ainda são tímidos em suas comunicações, demonstrando uma cultura de PLDFT ainda muito diversa da cultura do mercado bancário, havendo muito espaço para o desenvolvimento dos dois lados;
- Há muito espaço também a ser explorado em setores absolutamente tímidos (setores regulados IPHAN, COFECI, CFC, etc.) que ainda têm práticas incipientes de PLDFT, além de setores que sequer possuem normativos próprios (como o de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares, insumos agropecuários de alto valore consultoria;
- Em especial, o setor regulado IPHAN (artes e antiguidades), ainda pouco representativo nos números do COAF, deve ter alguma movimentação com a expectativa de um aumento no controle desse mercado nos EUA, um dos maiores mercados de arte e antiguidades do mundo.
No mundo bancário, a grande novidade foi o PIX e esse assunto deve reverberar ao longo dos próximos meses, junto das primeiras fases de implementação do open banking e o crescimento das redes de Banking as a Service. Lentamente, a mudança no perfil dos hábitos de pagamento dos brasileiros pode gerar um novo rol de fraudes que impactarão o dia a dia dos profissionais de PLD em especial a relação dos profissionais com os softwares de monitoramento de transações – cada vez mais o serviço de identificação de padrões suspeito ganha proximidade da business intelligence.
Outro movimento que podemos esperar em 2021 é uma aproximação de dois universos que têm andado bem distantes nos últimos anos, o de PLD e o da jurisprudência de lavagem,
O mundo dos casos de crimes de lavagem e sua jurisprudência desenvolveu uma linguagem própria, alheia àquela utilizada no universo da prevenção – diminuir essa distância será um passo necessário já que cada vez mais falhas de PLD devem ser observadas pelos atores judiciais.
Um dos objetivos deste blog é justamente esse, falar de prevenção sem ignorar os aspectos jurídicos da aplicação da lei de lavagem, por isso nasceu a série de Comentários Esparsos, que será aprofundada em 2021.
Este último ponto será certamente reforçado com a possível adoção de uma regra de PLDFT para o mercado da advocacia, uma vez que a OAB já está avaliando algumas possibilidades normativas para a profissão.
Outra tendência forte para 2021 é um aumento do buzz sobre a avaliação do Brasil pelo GAFI/FATF que vai acontecer em meados deste ano e será pauta da assembleia de 2022. A presidência do GAFILAT pelo Brasil só torna esse assunto ainda mais relevante.
Em matéria legislativa, veremos se os debates sobre a reforma da lei de lavagem saem do papel, assim como os impactos de uma possível nova lei de licitações. A chegada da Agência Nacional de Proteção de Dados também traz a pauta da interface entre LGPD e PLD. Fora do Brasil, uma reforma nas regras de AML nos Estados Unidos deve movimentar o cenário internacional, em especial com a esperada autorização da internacionalização dos Suspicious Activity Reports e de uma atuação mais agressiva do FBI com instituições financeiras sediadas fora dos EUA (talvez seguindo uma linha similar ao que aconteceu há alguns anos com o FATCA). Ainda com relação aos EUA, também vale notar que o país deve finalmente adotar um regime de disclosure de beneficiários finais e estabelecer um regime explícito de controle de criptoativos.
Por fim, devemos acompanhar um “arrasto” da pandemia, com o desdobramento de casos de fraudes e crimes cometidos em função da pandemia (e que devem contar com um capítulo especial sobre a vacina).
Em matéria de financiamento ao terrorismo, como sabemos, esse assunto parece sempre distante do nosso país. Talvez isso mude com a avaliação do GAFI deste ano, mas até o momento nenhuma pauta específica foi levantada nessa matéria.
Por fim, uma atenção especial ao novo cenário de comercio exterior, com as movimentações intensas causadas pela crise do COVID e uma nova leva de commodities que aumenta a suspeita sobre os mercados de importação e exportação (uma modalidade específica de lavagem que explorei neste texto).
Um excelente ano a todas e todos!
Ótimo! Importante tétum série que discuta crimes de lavagem de dinheiro e suas repercussões.
CurtirCurtir