O texto de hoje é uma colaboração incrível da Luiza Vaccaro Mello Machado, head de PLD da Stone. Grande profissional do setor e amiga. LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/luiza-vaccaro-mello-machado-4116a9ba/?original_referer=https%3A%2F%2Fwww%2Egoogle%2Ecom%2F&originalSubdomain=br
A Circular BACEN n.º 3.978/20 entrou em vigor em outubro de 2020 abalando as estruturas de Compliance de instituições do mercado financeiro e de meios de pagamentos. Seguindo as diretrizes do GAFI e a tendência observada em países que já estão mais avançados no tema de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo (“PLD-FT”), a Circular BACEN n.º 3.978/20 inovou o arcabouço regulatório de PLD-FT no Brasil ao introduzir a exigência da adoção de abordagem baseada em riscos, procedimentos de KYC (Conheça seu Cliente) aprofundados, a opção de centralização do Programa de PLD-FT em uma única instituição integrante de conglomerado prudencial e a avaliação anual de efetividade do Programa de PLD-FT.
Dentre as exigências de procedimentos aprofundados de KYC, merece destaque a necessidade de coleta de informações que permitam avaliar a capacidade financeira do cliente, incluindo renda, no caso de pessoa física, e faturamento, no caso de pessoa jurídica.
Para cumprir com este requisito regulatório, a instituição pode se valer de algumas alternativas:
- Coletar informações diretamente do cliente durante a contratação do produto
Para produtos digitais (e.g.: contas de pagamento digitais), a inclusão de interface voltada à coleta dessas informações, onde o consumidor apenas assinala sua faixa salarial (se PF) ou sua faixa de faturamento (se PF) dentre opções de múltipla escolha disponíveis, tem se mostrado uma alternativa menos custosa e de rápida implementação e escalabilidade. A título exemplificativo, Nubank e outros bancos digitais já se posicionaram dessa forma.
Contudo, nesta hipótese, a palavra do consumidor não basta para agradar o regulador – deve-se validar a consistência da informação em outras fontes de consulta, a exemplo de bureaus que fornecem insumos sobre o histórico profissional do cliente.
- Enriquecer o perfil do cliente em bureau de renda/faturamento presumidos
Caso a instituição tenha receio de prejudicar a experiência do cliente acrescentando mais uma etapa nas interfaces de contratação do produto, ao invés de coletar a informação sobre capacidade financeira diretamente do cliente, há a possibilidade de contratar um bureau externo que disponibilize dados de renda/faturamento presumidos.
Tais bureaus costumam trabalhar com técnicas de modelagem estatística, com base em dados históricos do cliente, e retornam uma estimativa/presunção de capacidade financeira. Essa opção é mais custosa, porém eficaz para empresas que prezam pela agilidade e altos níveis de UX na contratação do produto.
- Desenvolver modelagem estatística interna
Esta é uma opção viável e escalável para instituições de pagamento, por exemplo, que têm tecnologia em seu DNA, junto com uma base grande e pulverizada de clientes.
Com base em dados estatísticos de TPV (total payment volume) dos clientes, pode-se formar clusters de clientes agrupando-os por ramo de negócio, localização geográfica e porte empresarial, por exemplo. A partir do design dos clusters, define-se o patamar de faturamento esperado para cada agrupamento.
Uma vez obtidas as informações de capacidade financeira durante o KYC (seja através de desenvolvimento interno ou com o auxílio de ferramentas externas), deve-se aplicar as informações no processo de monitoramento transacional.
Em linha com as situações de atipicidade previstas na Carta Circular BACEN n.º 4.001/20 (norma que exemplifica indícios de LD-FT passíveis de monitoramento), a capacidade financeira do cliente deve ser avaliada sob dois prismas: (i) compatibilidade com o perfil do cliente (isto é, seu ramo de atuação, porte, patrimônio, modelo de negócios e ocupação/profissão dos sócios); e (ii) histórico transacional (isto é, os valores movimentados pelo cliente em determinado período através da contratação de produto oferecido pela instituição).
Para a avaliação da compatibilidade da capacidade financeira do cliente com seu perfil e histórico transacional, é prática comum (e, inclusive, esperada pelo regulador) a parametrização de alertas sistêmicos que detectem indícios de distorção relevante. São exemplos de regras neste contexto:
– renda/faturamento coletados no KYC x informação de bureau sobre histórico profissional;
– renda/faturamento enriquecidos em bureau x TPV mensal;
– TPV mensal x limite de faturamento permitido pela legislação tributária para o porte empresarial;
– TPV mensal x renda/faturamento presumido pelo cluster interno;
– ramo de atuação x renda/faturamento presumido pelo cluster interno.
Dentre outras regras possíveis.
Antes da escolha do conjunto de regras a ser implementado, é de suma importância realizar a análise amostral de clientes enquadrados nos critérios de risco que compõem as regras, de modo a avaliar a assertividade de cada regra, identificar pontos de melhoria e calibração e, assim, optar pela alternativa que mais se adeque ao perfil de clientes da instituição.