Acaba de ser divulgado o novo Guia para Abordagem Baseada em Risco para o Setor Imobiliário, publicado pelo GAFI-FATF.
A notícia é importante por alguns motivos.
O mais relevante deles é o evidente impacto que isso terá em nosso país, pois estamos sendo avaliados pelo GAFI neste momento e porque, atualmente, este é um dos pontos em que a regulação PLDFT brasileira deixa a desejar.
Um breve histórico da matéria entre nós: o COAF possuía uma regulação própria para o segmento imobiliário até o ano de 2012. Em 2013, por força de delegação de competência, a matéria se tornou regulada pelo COFECI (Confederação dos Corretores de Imóveis). A norma em vigor é a RESOLUÇÃO-COFECI Nº 1.336/2014.
Essa situação, por si só, já é problemática, porque o COFECI não é uma autoridade reguladora do setor imobiliário, mas tão somente da atividade de corretagem. Após um questionamento judicial, contudo, fixou-se o entendimento de que o COFECI possui competência para a regulação em matéria de PLDFT para o segmento imobiliário como um todo, ou seja, mesmo para empresas como incorporadoras, loteadoras e consultoras imobiliárias que não estão sujeitas aos demais pontos de regulação do COFECI.
A norma em vigor, no entanto, não cobre as especificidades dessas atuações no setor imobiliário e não chega nem perto de abordar as complexidades do financiamento e das operações estruturadas. Os valores da norma não são compatíveis com a realidade brasileira e ela, de modo geral, só cobre a atuação do corretor individual ou da imobiliária (sem abarcar a realidade das in houses, imobiliárias que atuam dentro das incorporadoras e loteadoras).
Para fechar: a norma não atende as recomendações do GAFI de abordagem baseada em risco e – muito menos – de supervisão baseada em risco. Mas este não é um problema exclusivo do Brasil
A crescente preocupação do GAFI com o setor imobiliário tem alguns drives e um deles é justamente o fato de a atividade imobiliária não ser concentrada em um tipo específico de atividade. Os agentes envolvidos no setor possuem atuações diversas, desde o mercado de loteamento/incorporação, ao de construção, venda e revenda, avaliação, financiamento, etc.
De toda forma, os escândalos revelados por grandes operações do jornalismo investigativo, como o Panama Papers, revelaram uma crescente participação do mercado imobiliário em operações suspeitas de lavagem e de financiamento do terrorismo.
O GAFI aponta alguns elementos de risco específicos:
- Aumento de transações imobiliárias transnacionais;
- Aumento do segmento do mercado imobiliário de alto luxo;
- Aumento do uso de estruturas societárias complexas/off shores na aquisição de imóveis;
- Pouca aderência do segmento a controles internos em especial aos que dizem respeito à identificação de beneficiários finais e monitoramento reforçado de clientes;
- Volume de comunicações de operações suspeitas incompatível com a relevância do segmento na economia.
Por isso, antes de uma iminente reforma do aspecto regulatório que deve ser objeto dos apontamentos da avaliação do GAFI em andamento no Brasil, as empresas que atuam no ramo já podem se preparar seguindo as recomendações do Guia.
Vou sumarizar, abaixo, algumas das principais recomendações.
- ABR
O setor deverá ser sujeito à abordagem baseada em risco em matéria de PLDFT. E já sabemos o que isso significa: fazer uma boa e profunda Avaliação Interna de Riscos.
A Avaliação Nacional de Riscos do Brasil é farta em exemplos que tangenciam o mercado imobiliário e o histórico de operações policiais nesse sentido também dá muita materialidade para a execução da tarefa de avaliação interna.
As peculiaridades do Brasil, porém, não cabem em uma ANR e talvez o país avance, nos próximos anos para estruturar uma avaliação setorial do segmento imobiliário. Alguns elementos que devem ser de especial relevância:
- Propriedade rural, em especial com as restrições de participação de capital estrangeiro;
- Propriedade em que incidem restrições ambientais (urbana ou rural);
- Segmento de alto luxo, crescente nas grandes metrópoles brasileiras e nos polos turísticos litorâneos;
- Complexidade do financiamento e da estruturação das operações imobiliárias;
- Intermediação de pagamentos com o uso de espécie e ativos virtuais;
- Programa PLDFT
Ainda pouco adotado no setor, o programa de PLDFT já é de adoção obrigatória nas empresas com atuação imobiliária por força da Lei de Lavagem.
O Guia do GAFI chama a atenção para o fato de que mesmo em grandes empresas ainda há pouco desenvolvimento do tópico da Governança PLDFT no segmento – é preciso que o assunto seja priorizado em conselhos e pela diretoria, uma vez que pode trazer graves consequências regulatórias.
A estrutura do programa e dos controles, também, precisa ser adaptada para a realidade do mercado imobiliário, como, por exemplo, para lidar com as situações de operações realizadas em nome de terceiros, intermediadas por advogados ou outros representantes.
- Operações e Situações Suspeitas
A lista de operações e situações suspeitas do GAFI não é novidade e repete muito do que já existia no Guia anterior do segmento (de 2007).
São os elementos que indicam incongruência entre patrimônio e renda do cliente e o tamanho ou volume da operação, uso de estruturas societárias complexas, uso de uma operação demasiado complexa para a finalidade pretendida, dificuldades na identificação do beneficiário final, trinagulação de bens, direitos e valores, etc.
As novidades dizem respeito a dois pontos principais: o uso de ativos virtuais como meio de pagamento e uma preocupação crescente com as modalidades de financiamento – sobretudo pelo uso de estrturas de créditos para a aquisição de imóveis.
Houve um reporte maior de casos em que o uso do crédito não-bancário parece se sobrepor a uma camada de lavagem por meio da financeirização de um título de crédito que possa ser quitado com recursos ilícitos (o GAFI chama especial atenção para a conversão da dívida imobiliária em títulos que possam ser liquidados em espécie ou com ativos virtuais).
Por fim, o Guia também dá especial atenção para os agentes que atuam no segmento como prestadores de serviço, como advogados, contadores, consultores e etc.
Acompanhem aqui no Blog a evolução do assunto!
(*Imagem: Folha de Sâo Paulo)